FERMENTAÇÃO SECUNDÁRIA
O fenômeno conhecido por Fermentação Secundária (Figura 17) corresponde à formação tardia de olhos no queijo Emmental quando este já se encontra em sua fase final de maturação, já de volta à câmara fria onde a fermentação propionica é drasticamente reduzida pela baixa temperatura. Cerca de 40 a 70% do gás formado é atribuído à fermentação propionica na “câmara quente”. O restante pode resultar de outras fermentações que levam também à produção de gás, como o metabolismo do ácido cítrico por NSLAB (non-starter lactic acid bactéria) ou microrganismos como Lactococcus lactis subsp. lactis biovar. diacetylactis e Leuconostoc mesenteroides.
Acredita-se que boa parte desse gás seja produzida através da descarboxilação de aminoácidos (por exemplo, histidina convertida para histamina e tirosina para tiramina em ambos os casos com liberação de CO2) pela atuação de descarboxilases de bacilos termofilicos como, por exemplo, Lactobacillus helveticus ou por aqueles mesofilicos do grupo NSLAB, como Lactobacillus brevis, Lactobacillus fermentum, Lactobacillus curvatus, etc. A fermentação secundária é indesejável, pois geralmente ocorre numa fase onde a proteólise já é avançada no queijo e ,reologicamente, a massa já perdeu sua capacidade de deformação ou de elasticidade sob a pressão exercida pelo gás, o que leva à formação de trincas.
Eventualmente fissuras podem também surgir dentro de uma olhadura já formada, prejudicando muito a textura do queijo.
Na Figura 18 apresenta-se um queijo Emmental , cuja textura sugere a seguinte avaliação:
- houve fermentação propionica normal, em queijo com pH adequado (acima de 5,30) facilitando a boa formação de gás.
- a casca foi muito bem formada, indicando que o queijo esteve em ambientes com correta umidade relativa do ar (por volta de 80%).
- o número reduzido de olhos, porém bastante grandes, indica que não havia uma quantidade elevada de micronúcleos na massa.
- houve, assim, um aumento considerável da pressão interna, que provocou a fratura na parte central do queijo.
- a fissura poderia ter sido causada por fermentação secundária já no período final, na câmara quente, mas os olhos se apresentam em número reduzido e de grande tamanho, apontando para uma possível deficiência de micronúcleos neste queijo.
CONSIDERAÇÕES DE ORDEM PRÁTICA SOBRE A FORMAÇÃO DE MICRONÚCLEOS
Os estudos feitos até agora indicam que algumas fases eventuais do processo podem influenciar negativamente na produção de olhaduras, por diminuírem o número de micronúcleos:
- microfiltração do leite, por retirar micropartículas físicas
- uso de degerminadoras, com alto poder de eliminar microrganismos e sujidades microscópicas.
- uso de centrifugas clarificadoras.
Ressalve-se que estes processos têm sido criticados em países onde o leite é extremamente limpo. Em países, como o Brasil, onde o leite contém ainda muitas impurezas físicas e altas contagens de microrganismos, a microfiltração e a centrifugação poderiam eventualmente ajudar a controlar o número de micronúcleos, além de eliminar bacilos butílicos altamente danosos para queijos como o Emmental.
Entretanto, quando houver problemas na textura de queijos com olhaduras, que possam estar relacionados à nucleação, é necessário avaliar o eventual impacto causado por estes tratamentos.
Na realidade, o problema mais observado no Brasil é o excesso de olhaduras no queijo e com frequência, malformadas, irregulares e mal distribuídas. Tudo indica que há um problema de número excessivo de micronúcleos, certamente provocado por uso de leites com grandes quantidades de micropartículas físicas. Considerem-se ainda causas adicionais, como deficiências de prensagem, pre- prensagem, espuma no leite, etc.
Todo fabricante de queijos com olhaduras deve ainda considerar outros pontos críticos do processo que, sabidamente, afetam a formação de micronúcleos na massa:
- bombeamento do leite, desde a recepção, passando pelo setor de beneficiamento e transporte pelas tubulações até o tanque de fabricação. A turbulência gerada nestas fases pode provocar oclusão de ar no leite.
- formação de espuma no leite, sobretudo no momento de enchimento do tanque. A espuma acaba sendo também “coagulada”, gerando fragmentos que se incorporam à coalhada, mas não apresentam as mesmas características de umidade, acidez, etc. ao final do processo.
- excesso de “finos” no soro que, por diferença de densidade, acabam se depositando no fundo do tanque e são prensados com o restante da massa, sem ter as mesmas características ideais. Estes “finos” podem causar a conhecida massa “rendada” que se vê tipicamente na região periférica de queijos com olhaduras.
- transferência da massa do tanque, ao término do processo, para a drenoprensa, quando pode ocorrer forte agitação, turbulência e oclusão de ar.
- a pre-prensagem é um dos fatores mais críticos e deve ser feita rapidamente, sob soro, e com alta pressão para que a massa não se resfrie , e fique bem compactada. Há notórias dificuldades em se prensar de forma homogênea, quando a quantidade de massa ultrapassa a 500 kg. É muito mais fácil elaborar um bom queijo Suíço em tanques menores, com prensagem manual, do que em grandes tanques mais mecanizados.
- a prensagem final da massa é outro ponto crítico e deve também ser iniciada rapidamente e com alta pressão. Quando a prensa é do tipo coletiva vertical, os queijos na sua parte mais inferior terão menos umidade do que aqueles na parte superior, e assim seu comportamento será diferente (massa mais compactada) e na salmoura certamente absorverão menos sal. Obviamente, a resposta à eventual fermentação propiônica será também diferente.
Por outro lado alguns fatores estimulam a produção de micronúcleos e por consequência, a formação de olhaduras no queijo Emmental:
- nitrogênio dissolvido no leite
- pequenas quantidades de gás carbônico produzidas por outras fermentações (por exemplo, metabolismo do ácido cítrico por cultivos aromáticos ou NSLAB). Neste sentido é válido dizer que o uso controlado de cultivos contendo Lactococcus lactis subsp. lactis biovar. diacetylactis e Leuconostoc mesenteroides pode impactar positivamente na produção de olhaduras.
- produção acidental de H2 em alguns tipos de fermentações, inclusive por microrganismos coliformes (sem, obviamente, o exagero de um estufamento precoce).
- micropartículas sólidas ou até mesmo pequenas sujidades físicas no leite
- microscópicas aberturas mecânicas (não sendo em número muito alto)
- pequeninas borbulhas de ar aprisionadas ao leite através de mecanismos diversos.
- uso de prensas à vácuo (ajudam a reduzir e/ou controlar o excesso de micronúcleos).
- enfatiza-se a importância de se obter queijos com pH acima de 5,30 e, de preferência, com teor de sal menor do que 1,00% , além da crucial necessidade da maturação em uma “câmara quente” , após o crítico período de estabilização em câmara fria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Bisig, W. , Fröhlich-Wyder, M.T. , , Jakob, E. , Wechsler,D. 2010. Comparison between Emmentaler PDO and generic Emmental cheese production in Europe. The Australian Journal of Dairy Technology. 65:03
- Daly, D.F.M. , McSweeney, P.L.H. , Sheehan, J.J. 2010. Split defect and secondary fermentation in Swiss type cheeses. A review. Dairy Science & Technology. 90:01
- Fröhlich-Wyder, M.T. , Guggisberg, D. , Bisig, W. , Jakob, E. ,Turgay, M. , Wechsler,D. 2017. Cheeses with propionic acid fermentation. Chapter 35. Agroscope, Berna, Suiça.
- Guggisberg, D. , Schuetz, P. , Winkler, H. , Amrein, R. , Jakob, E. , Fröhlich-Wyder, M.T. , Irmler, S. , Bisig, W. , Jerjen, I. , Plamondon, M. , Hofmann, J. , Flish, A. 2015. Mechanism and control of the eye formation in cheese. International Dairy Journal. 47:118.
- Gonzalez-Garcia, R.A. , McCubbin, T. , Navone, L. , Stowers, C., Nielsen, L.K. , Marcellin, E. 2017. Microbial propionic acid production. Fermentation 3:21
- Jakobsen, M. , Jensen, P.N. , Risbo, J. 2009. Assessment of carbon dioxide solubility coefficients for semihard cheeses: the effect of temperature and fat content. European Food Research and Technology. 229: 297
- Polychroniadou, A. 2001. Eyes in cheese: a concise review. Michwissenschaft, 56:02
- Swiss cheese. 2008. ALP Science no. 518. Agroscope Liebefeld Posieux Research Station, Suiça.
Múcio M. Furtado, Ph.D
DuPont Nutrition & Biosciences