Queijo Suíço: o problema de olhaduras irregulares e mal distribuídas – Uma revisão

Múcio M. Furtado, Ph.D. DuPont Nutrition & Biosciences 

INTRODUÇÃO

Os queijos apresentados na Figura 1 foram feitos na mesma fábrica, pelo mesmo processo e usando-se os mesmos fermentos e demais ingredientes. O comportamento da curva de acidificação foi similar e ambos apresentaram pH igual a 5,32 cerca de 24 horas após a elaboração. Na avaliação sensorial, os queijos apresentaram sabor típico, agradável, sem conotação de “off-flavors”.

No entanto, são queijos completamente diferentes em relação à textura, já que o queijo à direita apresenta excesso de olhaduras, sendo boa parte delas deformadas ou irregulares, e mal distribuídas no queijo. Obviamente, tal queijo não se qualifica para venda na mesma categoria que seu par à esquerda, em que pese apresentar boas características de aroma e sabor.

Tal fenômeno remete ao problema do excesso de micronúcleos na massa dos queijos de estilo Suíço, notadamente aqueles mencionados como Gruyère ou Emmental no Brasil, ou ainda como Colonia (Uruguai) , Gruyerito (Argentina) Masdaam (Holanda), Samsoe (Dinamarca), Swiss Cheese (USA), Grevé (Suécia) ou Jarlsberg (Noruega). No Brasil podem ainda ser mencionados outros queijos afetados por este problema, como os semiduros Estepe, Gouda e Bola. Todos esses queijos deveriam apresentar uma considerável formação de olhaduras médias ou grandes, lisas, arredondadas ou ovaladas, com brilho, e com boa distribuição na massa.

A experiência mostra que a fermentação propiônica em si não é o problema mais comum dos queijos com olhaduras. A má formação dos olhos e sua distribuição irregular no queijo são os defeitos mais graves e recorrentes.

Neste artigo são apresentados os avanços mais recentes de estudos feitos na Suíça sobre a produção de olhaduras em queijos Emmental e outros (“tipo Suíço”), concentrando-se na compreensão da fermentação propiônica, na difusão do gás carbônico na massa e no grave problema de má distribuição dos olhos, e sua relação com a formação de micronúcleos.

O QUEIJO EMMENTALER, SUAS VARIEDADES E SIMILARES (Figura 2)

O uso do termo genérico “Queijo Suíço” pode levar a diversas interpretações, algumas errôneas, sobre a eventual semelhança com o verdadeiro queijo de origem suíça, o Emmentaler PDO. Por esse nome entende-se o tradicional queijo elaborado somente com leite cru, no cantão de Berna na Suíça, e que goza de proteção internacional para sua denominação (a sigla PDO quer dizer “Protected Designation of Origin”). O Emmentaler PDO é fabricado no vale do Emmen, desde o século XII. Há uma série de exigências rigorosas para a elaboração deste queijo como, por exemplo, não se usar aditivos (apenas sal e coalho animal) , ser feito com leite de matrizes não- alimentadas com silagem, ordenhado a menos de 24 h e com contagem eventual de Clostridia menor que 25 Unidades Formadoras de Colônias (UFC)/litro. Este queijo é curado por 4 a 12 meses.

Com nome similar, há ainda o Allgäuer Emmental na Alemanha e o Emmental francês PGI (“Protected Geographical Indication”) fabricado na região da Savoia, além do Emmental Est-Central PGI, elaborado com leite cru na região centro-oriental francesa.

Existe também uma denominação genérica Emmental, que foi regulamentada pelo Codex da FAO CXS 269-1967, para diferenciar e proteger o queijo original PDO. Este regulamento do Codex estipula que a denominação genérica Emmental pode ser usada em qualquer país, permitindo-se o uso de leite de vaca ou búfala, pasteurizado ou não.

Na Suíça existe ainda outro queijo PDO, o Gruyère, que não tem nenhuma fermentação propiônica, e, portanto, não apresenta olhaduras.

O nome Gruyère PGI é também usado para designar o queijo elaborado com leite cru na França, que tem fermentação propiônica e olhaduras, além da casca amarronzada tratada com Brevibacterium linens. É fabricado na região de Franche Comté (Haute Savoie), fronteiriça com a Suíça.

Sob o nome de Comté PDO é elaborado na França, exclusivamente com leite cru, um queijo que pode ou não apresentar fermentação propiônica espontânea. O Comté PDO pode apresentar olhaduras e algumas trincas, ou ter a massa fechada, em função do processo de fabricação, sem relação direta com a presença ou ausência de bactérias propiônicas no leite cru. Sua casca, rugosa e amarronzada, é também tratada com Brevibacterium linens.

Há ainda outros queijos “tipo Suíço” conhecidos mundialmente como o holandês Maasdam, o norueguês Jarlsberg, o dinamarquês Samsöe e o sueco Grevê.

O Emmentaler PDO é um dos maiores queijos do mundo. Uma forma costuma ter de 0,8 a 1,0 m de diâmetro, podendo pesar entre 75 e 120 kg, com peso médio de 90 kg. Somente coalho natural, de origem animal, é permitido no processo.

Um Emmentaler PDO suíço de cerca de 90 kg salga em salmoura por apenas 2 dias e seu teor de sal é muito baixo, cerca de 0,5-0,6%, o que favorece não somente a atuação do Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii mas estimula a percepção do sabor ligeiramente adocicado, tipico de queijos com fermentação propiônica (Figura 3).

O teor de gordura no extrato seco varia de 45 a 55% e o teor médio de umidade é de 38% depois de maturado por vários meses. O número de olhaduras (de 2 a 4 cm de diâmetro) em uma forma de Emmentaler PDO de 90 kg pode chegar a 2.000 e sua distribuição não é exatamente homogênea, já que na região mais periférica (cerca de 2 a 3 cm abaixo da casca) quase não se formam olhos. Não seria pela inexistência de micronúcleos, senão que pela maior facilidade de escapar gases, considerando a proximidade com a casca. Em uma forma com essas dimensões (90 kg) são produzidos cerca de 120 litros de gás, dos quais apenas 20 se mostram na forma de olhaduras, enquanto que 60 se encontram ainda solubilizados na fase aquosa e 40 litros se difundem e se perdem pela casca do queijo.

OS ESTUDOS PIONEIROS

Os primeiros grandes estudos sobre a fermentação propiônica e a difusão de gases em queijos, sobretudo no Emmental, ocorreram há mais de 100 anos (Figura 4) e muitos de seus resultados são válidos até os dias de hoje, tendo aberto caminhos para trabalhos mais aprofundados.

Em 1897 os pesquisadores Eduard Von Freudenreich, da Suíça, e Sigurd Orla- Jensen, da Dinamarca (Figura 5), publicaram um estudo sobre a fermentação propiônica e a difusão dos gases no queijo Emmental, que lançou luz sobre fenômenos até então desconhecidos relativos à formação de olhaduras naquele queijo. Freudenreich e Orla-Jensen trabalharam juntos durante muitos anos na então Estação Experimental de Liebefeld (Freudenreich era o diretor na época), perto de Berna, na Suíça, onde desenvolveram trabalhos pioneiros sobre a produção de olhaduras no queijo Emmental.

Os estudos originais de Eduard Von Freudenreich foram um marco importante para a compreensão da fermentação propiônica, tendo recebido consagração e reconhecimento internacional definitivos quando o microrganismo mais usado na fabricação dos queijos Emmental e similares, o Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii teve o gênero nomeado em sua homenagem. Até 1901 Orla-Jensen trabalhou com Freudenreich em Liebefeld e quando este se aposentou ele assumiu a direção da instituição até o ano de 1906, quando retornou a Dinamarca para assumir a cátedra de Fisiologia das Fermentações na Technical University of Denmark. Até sua morte em 1949, Orla-Jensen dedicou-se ao estudo da bacteriologia lática e com seus estudos revolucionou a microbiologia, especialmente com suas descobertas pioneiras na área de enzimologia (endoenzimas), taxonomia dos microrganismos, suas características fisiológicas e identificação através de melhorias no método de coloração de Gram.

A Estação Experimental de Liebefeld continua sendo uma referência mundial em trabalhos científicos na área de queijos e está hoje sob a égide do Agroscope, um instituto que reuniu todas as estações experimentais agrícolas e de laticínios da Suíça, com unidades de pesquisas concentradas em Liebefeld e em Grangeneuve-Posieux.

Posteriormente, em 1912 um cientista norte-americano, William Mansfield Clark, que trabalhava no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos publicou o artigo “Um estudo dos gases do queijo Emmental” na edição 51 do Animal Industry Bulletin, cujos reflexos na tecnologia de queijos com olhaduras são sentidos até os dias de hoje (Figura 5).

Seus estudos de difusão do CO2 na matriz caseínica do queijo Emmental foram baseados nas Leis de Fick, derivadas em 1855 pelo físico alemão Adolf Eugen Fick. A Primeira Lei de Fick afirma que o fluxo difusional é proporcional à concentração do gradiente. A Segunda Lei de Fick se aplica bastante ao transporte de massa no interior de corpos úmidos e porosos (por exemplo, queijos), pois afirma que o mecanismo mais lógico da migração de elementos é através da difusão liquida em função justamente da porosidade e capilaridade do meio circundante.

Com base nesta Segunda Lei de Fick, Clark sugeriu então que a formação de olhaduras em queijos como o Emmental e seus similares obedece a uma série de eventos físico-químicos complexos. Sua teoria (Figura 6) assume que os gases são formados através do metabolismo do ácido lático (lactato) pelas bactérias propiônicas em diferentes partes do queijo.

Mas a olhadura não se forma necessariamente no ponto em que houve a fermentação. O CO2 produzido se difunde através da matriz caseínica, em busca de um ponto mais débil para se expandir, tão logo ocorra uma supersaturação na parte aquosa. O acúmulo de dióxido de carbono no micronúcleo gera pressão que aumenta gradativamente, mas o surgimento da olhadura está condicionado à uma série de outros eventos e condições.

Por exemplo, a pressão interna no queijo deve ser pelo menos 20% superior àquela externa, e este parâmetro é afetado pela temperatura do ambiente, teor de umidade, elasticidade da massa (proteólise e grau de mineralização) e, obviamente, pela espessura e grau de resistência da casca do queijo.

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